Escolas em Salvador têm aulas suspensas a cada cinco dias por conta da violência urbana.
A suspensão das aulas em Salvador afetou mais de 5 mil estudantes dos ensinos infantil e fundamental.
Os impactos da insegurança urbana que puseram Salvador, em 2024, novamente, como a capital mais violenta do Brasil, trazem efeitos diretos na educação de crianças e jovens: neste ano, a cidade teve média de uma escola municipal com aulas suspensas a cada cinco dias, em função de problemas com a segurança pública. Mais de cinco mil estudantes dos ensinos infantil e fundamental foram afetados.
Os dados,via Lei de Acesso à Informação (LAI), são referentes, apenas, às escolas municipais de Salvador – respeitando, portanto, as informações divulgadas pela Secretaria Municipal de Educação (Smed). O governo da Bahia descumpriu a legislação que garante transparência a dados públicos e não enviou as informações solicitadas sobre as escolas estaduais.
Segundo os números disponibilizados pela prefeitura, entre fevereiro e junho, Salvador teve suspensão de 28 dias de aula. Os problemas foram registrados em 15 escolas, de diversos pontos da cidade. Ao todo, 5.315 alunos foram impactados.
Neste tópico, um ponto chama a atenção: apesar de acontecerem em diversas localidades da capital, a maioria das suspensões foi identificada no Subúrbio Ferroviário, em bairros como Coutos, Fazenda Coutos e Paripe. Mas nenhum lugar teve mais aulas suspensas do que Periperi: 16. O número equivale a 57% dos casos identificados pela Smed.
Para o coordenador, na Bahia, da Rede de Observação da Segurança, Dudu Ribeiro, a concentração dos maiores casos no Subúrbio Ferroviário tem um componente racial. “Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado demonstrou qual é o CEP das escolas que estão embarcadas por eventos de tiroteio e nenhum dos tiros ocasionou interrupção de aulas ou esteve numa área escolar de um bairro de maioria branca”.
“Ainda que todos saibam que Salvador é uma cidade de maioria da população negra, nós sabemos que também existem bairros que a população negra não é a maioria e, nestes lugares, não estão acontecendo os tiroteios que interrompem aulas”, acrescenta.
Destes bairros do Subúrbio, cujas aulas foram suspensas, dois deles estão entre os que possuem mais pessoas autodeclaradas negras: Paripe, com 46.505 (84,49% da população), e Periperi, com 42.717, (85,64% da população). Os dados são do Censo 2022, do IBGE.
Por outro lado, dos 170 bairros mapeados pelo Censo, apenas 10 têm maioria da população branca. Nenhum deles registrou, segundo a Smed, suspensões das aulas. São eles: Horto Florestal, Itaigara, Chame-Chame, Graça, Vitória, Caminho das Árvores, Pituba, Barra, Patamares e Canela.
Aulas suspensas: papel do poder público
Segundo Dudu Ribeiro, outro estudo, realizado pelo Instituto Fogo Cruzado, identificou que 46% dos tiroteios registrados nas proximidades de escolas aconteceram durante operações policiais. Para ele, o poder público “tem o dever de evitar ações policiais nestas áreas”. Outra recomendação é que “quando fizer, que não faça em horários de chegada e saída dos estudantes, porque são os horários com maior circulação”, alerta.
Neste sentido, ele pede ações interligadas entre o governo do estado e a prefeitura. “A gente espera que os secretários, tanto da Secretaria Municipal de Educação, quanto da Estadual de Educação, dialoguem com Secretaria de Segurança Pública, para a construção de protocolos, o que também já é um tema que o próprio Ministro Edson Fachin movimenta no STF”, opina.
Ribeiro se refere a uma ação denominada de “ADPF das Favelas”, cujo texto prevê protocolos rigorosos para atuação policial em áreas escolares.
Aulas suspensas: quebra de narrativa
Diante deste quadro, Dudu Ribeiro crê ser necessário “modificar o entendimento de que a segurança pública não é de responsabilidade do município”. “Do ponto de vista da atuação das polícias, a Constituição Federal já determinou que é de responsabilidade dos estados, mas as pessoas vivem e as pessoas também morrem nos municípios. As cidades e as prefeituras não podem se desresponsabilizar de colaborar e depois construir espaços seguros nas suas cidades”, pondera.
Na visão do especialista, este contexto mudará quando houver entendimento de que a segurança pública não é feita, apenas, com ações ostensivas de combate ao crime. Ele aponta que “qualidade de vida, implica em qualidade de segurança pública”. “A polícia cumpre uma pequena parte da segurança pública. A segurança é dada quando a gente tem ambientes seguros construídos com oportunidades, com direitos, com respeito aos direitos humanos, com respeito aos cidadão desses bairros”, analisa.
Suspensão das aulas: o que diz o Poder Público
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública diz que, em 2023, criou o Batalhão Escolar na estrutura da Polícia Militar, “ampliando as ações integradas com as instituições de ensino, buscando atender alunos, professores e funcionários de colégios públicos e privados”.
A pasta aponta que as forças estaduais de segurança “atuam de forma rápida contra qualquer tipo de situação que gere risco para a realização das aulas”.
Segundo a SSP, os problemas se restringem às escolas municipais graças ao diálogo com as forças de segurança. “As escolas privadas e estaduais não promoveram suspensões de aulas e mantiveram diálogo constante com as polícias e bombeiros”, conclui.
A Defensoria Pública do Estado (DPE) indica que emitiu recomendação às secretarias de Segurança Pública e de Educação do estado e municipal, orientando-as a adotarem “medidas que assegurem o direito à educação em ambientes mais seguros para crianças e adolescentes que estudam em áreas com alta incidência de violência urbana”.
Segundo a DPE, “a atuação busca minimizar os riscos à integridade física dos estudantes que enfrentam suspensão de aulas e situações de perigo durante o trajeto e no ambiente escolar”.
Entre as medidas recomendadas pela Defensoria, estão:
- • Adaptação do serviço educacional, para garantir sua disponibilidade e acessibilidade;
- • Não realização de operações policiais nas proximidades das escolas e creches nos horários de maior fluxo de entrada e saída de pessoas e quando realizar, em casos excepcionais, que a Defensoria e o Ministério Público sejam informados previamente;
- • Capacitação de professores em gestão de crises e primeiros socorros;
- • Garantia de reposição dos dias letivos eventualmente suspensos, entre outras orientações.
“Estas ações visam reduzir a evasão escolar, proteger a saúde mental e física dos estudantes e garantir o efetivo exercício dos direitos à educação e à segurança”, finaliza a DPE.
Para o secretário de Educação de Salvador, Thiago Dantas, os casos de violência são “pontos de atenção” para a prefeitura. “Trabalhamos tentando acolher as pessoas, buscando dar a elas, primeiro, o suporte e depois estabelecendo as atividades”, pontua.
Segundo o titular da Smed, a prefeitura inaugurou, neste ano, um centro de acolhimento que dispõe de corpo de psicólogos “voltados para fazer diversas atividades pensando no bem-estar dos educadores”. Conforme Dantas, a violência contribui para que educadores “deixem de desempenhar a sua atividade com o máximo de potencial”. “Uma coisa termina conversando com as outras”, conclui.
Suspensão das aulas: segurança sob pressão
Os dados das suspensões das aulas em função da violência coincidem com o momento de tensão vivido na segurança pública da Bahia. Levantamento realizado pelo Atlas da Violência 2024 aponta que, em 2022, Salvador foi a capital mais violenta do país, com 66,4 assassinatos a cada 100 mil habitantes, superando a média nacional, que é de 24,5. Naquele ano, ocorreram 1.605 mortes violentas na cidade.
Em números absolutos de homicídios, ou seja, sem considerar a proporção de mortes por habitantes, Salvador, com população de 2,4 milhões, perde apenas para São Paulo, que tem 11,5 milhões de moradores. Na capital paulista, foram registrados 1.762 assassinatos em 2022, totalizando 157 mortes a mais do que no município baiano, mesmo com uma população quase cinco vezes maior.
Já conforme o Anuário da Segurança Pública deste ano, a capital baiana foi, em 2023, a segunda colocada no quesito, entre as capitais, perdendo apenas para Macapá, capital do Amapá.
De acordo com o documento, a taxa de mortes violentas intencionais (MVI) em Salvador, no ano passado, foi de 61, enquanto em Macapá a taxa foi de 71. As MVI contemplam mortes de policiais civis e militares em situações de confronto, além de mortes decorrentes de intervenção policial (em serviço e fora de serviço).
Em outubro deste ano, em um dos períodos de maior questionamento para a segurança, o governador Jerônimo Rodrigues (PT) cancelou viagem que faria à França e permaneceu em Salvador. Naquele mês, em apenas uma semana, cerca de 20 pessoas foram assassinadas na capital e na região metropolitana.
Em novembro, Jerônimo participou de reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e outros governadores. Na oportunidade, o tema foi, justamente, a segurança pública. No debate, ele desabafou e descreveu a situação da segurança pública na Bahia como “enxugar gelo”.
“Status que vivemos é de necessidade da força policial. Com isso, presidente, posso dizer, em nome dos governadores, ouvi esse depoimento de Cláudio [Castro, governador do Rio de Janeiro], é de que estamos enxugando gelo. A gente faz concursos, compra armas, capacita policiais, constrói estrutura, mas os resultados são a menos do que aguardamos. A conta chega à mesa dos governadores. Queremos compartilhar essa liderança nacional”, afirmou, à época.
Salvador não é a única cidade do estado a apresentar números expressivos de crimes violentos. Ainda conforme o Anuário da Segurança Pública, 11 das 20 cidades mais violentas, com mais de 100 mil habitantes, estão na Bahia. O governador afirmou que o combate à criminalidade “é tema primordial”.
Foto: Matheus Pereira